terça-feira, dezembro 07, 2004

A Casa Do Sitio Da Paz IV

Anda comigo. Por entre as árvores surgia agora um casarão fascinante. Fomo-nos encaminhando para a porta e entramos. Do lado direito havia uma sala enorme, com mobília encerada e uma máquina de escrever sobre uma longa mesa.
Perdi-me na imensidão do silêncio, na penumbra…um espelho.
Um tic-tic mágico despertou-me! Era ele a escrever à máquina, tic-tic tic-tic, nem parecia que estava a tripar. Encavalitado num armário ao fundo da sala, comia bombons, todo lambuzado.
Dissipei-me na observação daquele quadro vivo, emoldurado pelas sombras.
O tic-tic irritou-me e desapareci no ar translúcido das outras divisões.
Foi quando eles chegaram, é melhor ir avisá-lo, pensei, eles não devem gostar de ver um desconhecido a mexer na máquina, é nova, nem eu posso mexer…
Não fui e eles não gostaram, mas nada disseram porque eram bem-educados.
Perguntaram o que estava ele a fazer, perturbado, respondia incongruências sublinhando erva. Erva, sublinhava ele. Começaram por nada entender, pretexto para novas perguntas, mais estranhas e incisivas.
Chegaram mesmo a irritar-se e a berrar confusamente questões sem nexo.
-Porque sublinha ele erva? Perguntaram, e ele desnorteado, foi contar tudo…
Retirei-me para o meu quarto, onde ele já estava, depois, apareceu o meu tio que bateu no meu primo, eram de Lisboa, levando-o sem sequer me dirigir o olhar. As coisas acalmaram, foram todos não sei para onde, desapareceram, e eu fiquei deitado na cama a pensar nos estrondos e, raios, marimbando-me pura e simplesmente.
Ao acordar, pensei em mandar outra trip, eu tinha muitas num sei bem porquê, e como ainda era noite, esperei pelo nascer do dia na janela. Ainda estava tudo silencioso e escuro quando, de um lado surgiu uma espécie de lua cheia subindo devagarinho no céu, até estacionar um pouco acima da linha do horizonte e desaparecer. Surgiram mais luas, de ambos os lados, alternadamente, sempre outra mal a anterior acabada de desaparecer, até despontar uma lua escura que, subindo rapidamente no céu, estaca ao alto e ai se conserva- tinha nascido o dia.
Saí de casa e, cá fora caíam uns pingos de chuva, estava uma manhã cinzenta.
Enquanto procurava um sitio abrigado ia encontrando, acho que eram trabalhadores, com sacholas e saúde no olhar, e de cada vez que pensava ter encontrado um bom sítio surgiram dois, sempre dois, a virar uma curva na estrada, até que me sentei num banco em frente a um parque infantil cheio de catraios.
Ele sentou-se comigo.
Os putos olharam para mim de olhos muito abertos e, abandonando os baloiços e o escorrega num movimento imperceptível, aproximaram-se com vagar, sempre a olhar para mim de olhos muito abertos e, silenciosos, cautelosamente, sentaram-se frente a nós.
Deviam ser excursionistas pela maneira como falavam uns com os outros enquanto preparavam a merenda, e cada vez se sentavam mais. Já davam a volta á mesa que havia no meio dos bancos quando assim de um só gesto, uma delas se sentou a nosso lado e ficou silenciosa, a olhar em frente, mas ele estava demasiado ocupado a enrolar um charuto com um papel de embrulho que não colava. Depois de muito insistir, pareceu-me enfim seguro, acendeu um fósforo mas ele apagou-se antes que ele o conseguisse acender. Acendeu mais fósforos, e quando finalmente conseguiu que a ponta deitasse fumo, ele descolou-se e teve de o apagar. Tornou a tentar, mas desta vez para que não houvesse azar, meteu-o num artefacto de prata para que ele ficasse seguro. Depois procurou por fósforos mas eles tinham acabado, tocou no braço da excursionista e estendeu-lhe a ponta, ela disse que num queria, ele diz-lhe que não lhe estava a oferecer, mas sim a pedir fósforos, ela procurou e encontrou uma caixa deles, que lhe cedeu gentilmente. Perguntou-lhe se aquilo era droga, ele disse-lhe que sim, ela disse que não acreditava e ele encolheu os ombros.
Entretanto, passaram mais umas camionetas de excursão, que apitaram e todos dissemos adeus aos que iam lá dentro, adeus, até se deixarem de ver…
Foi então que tirei uma caixinha do bolso e da caixinha tirei um ácido, ela perguntou-me o que era aquilo, eu disse-lhe LSD, e meti-o á boca.